PSDB: Tucanocídio e a Nova República
- Caio Bellandi
- 30 de abr.
- 4 min de leitura
*Texto originalmente escrito na newsletter LADO B DE LER, com adaptações
Os tucanos vão desaparecer.
Calma, o assunto não é Biologia. É Política mesmo.
O Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), fundado em 1988, vai acabar nos próximos dias. No leilão pelas penas do bichano o PSD de Kassab e MDB Temer estavam no páreo, mas quem vai levar é o possante PODEMOS, ex-PTN que absorveu também o PSC de Pastor Everaldo e o PHS.
A ave é linda, ok, mas o partido não é exatamente um defunto pelo qual devemos chorar, convenhamos. Ainda assim, fato é que o desaparecimento do PSDB me soa bastante simbólico. Com ele, e por causa dele, também desaparece a Nova República - ao menos, os pilares de democratização e estabilização política nos moldes da democracia burguesa proposto pela Constituição Federal de 1988. Na prática, já vivemos um pós-Nova República, embora ainda há quem negue, já que a Carta Magna segue (?) em vigor.
O PSDB surge como uma cisão em tese mais progressista, moderna e liberal do antigo PMDB antes das eleições de 1989. Após o experimento Collor e com o PT crescendo e se consolidando como opção real para comandar o país, a legenda foi virando à direita. O sociólogo quase-marxista Fernando Henrique Cardoso, maior nome do partido, seria eleito duas vezes presidente da República até entregar a faixa para Lula, em 2003. Mantendo-se suficientemente à direita do candidato do PT, FHC se tornaria um símbolo de um tempo onde o neoliberalismo já jogava livre, mas tinha alguma vergonha na cara.
Com duas gestões sem grandes destaques, restou ao PSDB apenas se tornar apnas a saída possível para certas instituições e pedaços da sociedade brasileira com medo do fantasma do comunismo. A ordem era evitar que Lula e o PT ficassem muito tempo no poder. E, para isso, voar nas asas do tucano parecia de bom tamanho para 1/3, ou um pouco mais, dos brasileiros e brasileiras.
A partir da virada do século, em que pese o protagonismo permanecer com políticos oriundos do começo do partido, como José Serra e Geraldo Alkmin, os tucanos começavam a ser anabolizados pelo antipetismo da classe média e pela ampla cobertura midiática, alinhada por interesses econômicos do grande capital. Mas não conseguiam vencer Lula e o PT.
E o estresse no partido foi crescendo.
O PSDB do século XXI já não tentava mais ser o partido de massa que gostaria (e nunca foi, nem da massa cheirosa, viu Cantanhede?). Tampouco havia um projeto partidário e ideológico claro para o país. Militância, só na imprensa, como admitiu (ou quase) o próprio Perillo.
O pomposo ninho tucano, então, tornou-se apenas um berçário das serpentes fascistas. O partido continuava relevante, estável, mas precisava da mobilização e dos votos da base do antipetismo, cada vez mais raivosa. Ou seja, o PSDB mantinha a pecha social-democrata de quem ajudou a refundar a democracia no país, e participava do jogo eleitoral com a mesma máscara, mas já sabia que precisava acenar para militares, ultraliberais e ultraconservadores babando em cima de Lula e do PT. E, claro, contava com o tesão da imprensa hegemônica em cobrir ao vivo até suas lamentáveis prévias, que nessa altura do campeonato, só interessavam se alguma cueca de um tucano gordinho ficasse à mostra.
Chega então 2014 e o lindo pássaro bicudo resolveu iniciar seu tucanocídio.

Primeiro, com Aécio Neves, empolgado pela antipolítica misturada com o antipetismo, contestando a ordem política-institucional a qual o próprio PSDB ajudou a fundar após ver Dilma se reeleger por pouco.
O tucano havia cortado uma de suas próprias asas.
Dois anos depois, com a cadela do fascismo já em trabalho de parto, lança ao público a figura de João Dória Jr. para dar novos rumos ao partido ao mesmo tempo que embarca na barca eleitoral furada de Michel Temer.
O tucano cortou sua outra asa.
Com os setores da extrema-direita agarrados na figura de Jair Bolsonaro, sem poder mais ser o bastião do antipetismo e com a superdimensionada cobertura da imprensa hegemônica fazendo água perante as fake news do zapzap, restou os 5% de Geraldo Alkmin, hoje lulista, em 2018.
O tucano, sem asas, estava imóvel. E seu grande bico, sem função.
Em quatro anos, o PSDB derreteu a partir de um movimento que ele mesmo fez, deliberadamente. Ninguém o obrigou a abraçar o fascismo. Calculou errado a rota do voo achando que exterminaria o inimigo PT e deu de cara na árvore, ficando com algumas migalhas que sobrava do bolsonarismo.
Já apenas um tucano empalhado, o PSDB continuaria, em 2022, seu apequenamento: sem lançar candidato próprio à presidência - o que ainda não tinha acontecido na Nova República - amargou uma vice na chapa de Simone Tebet, que fez apenas 4% dos votos. Tebet pulou para a nau de Lula no 2º turno sem pestanejar, e deixou o pobre tucano, sem poder voar, bicar ou cacarejar, parado olhando toda aquela celeuma eleitoral acontecer.
Sem asa, banguela e cada vez menor, a ave queridinha dos grandes jornalistas e de parte dos acadêmicos de viés neoliberal, adotada pela classe média assustada, estava era na bico do corvo.
O partido que fez oito governadores em 2010 (auge da popularidade de Lula, diga-se) e cinco em 2014, perdia São Paulo depois de 30 anos e ficava com apenas três Estados no total. Os 54 deputados de 2014 viraram 13 em 2022. A bancada do Senado, composta por 16 cadeiras no início de 2015, tem três em 2025 - sendo dois recém-filiados, saídos do Podemos.
Existir, o PSDB até existia. Mas já nem sabe o que fazer com a sua existência, sem asa, sem bico, sem voar e sem o carinho de quem sempre lhe alimentou com uma fartura desproprocional.
E é assim, famélico, magro e sem se mexer, que termina um partido que ajudou a contar a história da Nova República brasileira, mas que também ajudou a destruí-la por dentro.
Esse tucano aí, desse jeito, não fará nenhuma falta.
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