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Desalgoritmizar

Foto do escritor: Caio BellandiCaio Bellandi

*Texto originalmente escrito na newsletter LADO B DE LER, com adaptações


Entregar um conteúdo para quem pediu esse conteúdo tem sido o grande desafio que eu, enquanto jornalista independente, tenho me colocado. Parece óbvio, mas preciso vencer muitas distrações e barreiras para a comunicação que eu produzo chegar em quem quer recebê-la.


Na outra ponta, uma montanha ainda maior: enquanto "consumidor de conteúdo", também estou tentando receber apenas aquilo que eu quero receber.


Daí veio a iniciativa de ter um blog no site do LADO B DO RIO, por exemplo.


Desalgoritmizar.


Porque talvez tenhamos chegado no limite da imposição do algoritmo.


Não quero saber do novo filho da Virgínia, nem de quem está no Big Brother, nem o que o Gustavo Lima cantou, falou ou cometeu. Também não quero saber quem é Oruam, o pai do Oruam ou o gato do Oruam. A nova novela da Globo ou o novo filme da Netflix, eu também não quero saber. Mas caso mude de opinião, se e quando eu quiser saber sobre Virginia, Oruam, Globo ou Netflix, eu sei onde achar.


Nossas relações estão algoritmizadas pelas chamadas big techs. E nem vou entrar no mérito dessas big empresas serem big fascistas, big nazistas ou apenas big capitalistas selvagens. Vou me ater ao "produto oferecido": todas elas estão nos entregando algo que não queremos. No mínimo, estão nos OFERECENDO algo que não queremos; e, no máximo, CRIANDO A VONTADE daquilo que não queremos.


Bem, a invenção de necessidades não é uma novidade do capitalismo. Uma das tarefas fundamentais desse sistema desgraçado é criar nas pessoas uma vontade de consumir algo que ela não tinha e nem precisava. Mas está claro que neste 2025, essa criação de vontades bateu no teto por meio do algoritmo.


Redes sociais mudaram muito nossas vontades, e eu apenas cansei disso (Pixabay)
Redes sociais mudaram muito nossas vontades, e eu apenas cansei disso (Pixabay)

Falo por mim: não quero precisar de mais nada novo. Não quero conhecer mais nada. Já sei e conheço o triplo de coisas que a minha mãe conhecia na minha idade, e umas 100x mais que o meu avô.


E, repito: minha preocupação atual nem é mais se o Elon Musk permite seus amigos de células supremacistas na sua rede ou se o Mark Zuckerberg quer babar de alegria de ver homofobia escancarada em sua rede, ou mesmo se ambos saudaram Hitler com uma suástica tatuada na nádega direita ao lado do Trump.


A questão política está clara e posta. E, sinceramente, deixar de utilizar a rede social por isso me parece utopia. Porque estamos viciados nessa merda, e convenhamos, um viciado em drogas, por exemplo, não quer saber se o traficante é socialista ou se prefere Marx ou Weber. E quem por ventura não está (ou não admite) que está viciado, pode simplesmente precisar estar aqui por causa do trabalho, das novas formas do trabalho.


Esqueça Musk, Zuckerberger ou Trump. Meu problema é o que o nosso trato pessoal se tornou. Como temos encarado a vida real, a sociabilidade, as relações interpessoais, e, claro, nossas verdadeiras (ou quase) vontades.


Internet x Rede Social


A Internet (ainda se usa essa palavra?) mudou a forma de nos comunicarmos. A socialização com os nossos amigos, conhecer novas pessoas, aprofundar amizades, tudo isso foi bastante propiciado pela Rede Mundial de Computadores™️ a partir do início deste século. Chegaram as redes sociais e elas continuaram cumprindo esse papel preponderante no encurtamento de distâncias, com um toque de sofisticação, até. Mas o andamento da situação nos últimos dez anos foi para a automação do conteúdo a partir do que você pensa - ou eles acham ou querem que você pense. Então, há algum tempo, um internauta (ainda se fala assim?) não entra mais nas redes sociais para saber como está o tio-avô que mora em Viçosa (MG) ou qual o trabalho do amigo de infância que está em Portugal. E mesmo que ele queira apenas ver isso, não consegue mais só ver isso, porque o algoritmo inundou as redes de coisas pouco úteis, inúteis ou tóxicas mesmo.


Encurtar as distâncias foi uma das premissas da invenção da rede social, teoricamente. A outra foi conhecer gente nova, mas já já falo dessa.


Então, você abre o aplicativo e muitas vezes não consegue ver o que seus amigos e conhecidos estão fazendo ou publicando. A rede te entrega outras coisas, como propagandas de coisas que você não quer.


Recentemente, conversando sobre isso com os meninos (nota: Daniel e Fagner são sempre "os meninos), fiz um teste "online". O resultado foi:


1 - Abri o Instagram, e o segundo post no feed era uma propaganda de camisa com motivos de futebol. Não dá pra dizer que o algoritmo não me conhece, né? Porém, não queria ver isso naquela hora. Se quisesse, teria entrado no site ou no perfil de uma das dezenas de lojas que já me foram apresentadas sobre isso;


2 - Logo depois, abri o Facebook, e o quinto post foi propaganda da Adobe - aqui o algoritmo errou. Nem lembro qual programa era e, tirando o leitor de PDF, não uso nada da marca;


3 - Para finalizar, abri o Twitter, pelo perfil do Lado B, e o terceiro post foi de alguma propaganda de computação que nem sei o que era. Parece que nem existe o tal do algoritmo nesse caso, meteram qualquer coisa ali de alguma empresa que botou grana para promover o post.


Agora, a outra premissa: conhecer gente.


Bem, falo aqui com millenials, como comentei no post anterior. E, caro leitor, cara leitora, sinto dizer, mas nessa altura da vida, não sei se vocês vão conhecer alguém realmente mais legal do que as pessoas que vocês já conhecem. Mesmo que essa pessoa até seja interessante, inteligente, bom de papo, produza bons "conteúdos" nas redes, a chance de você achar chato, ou repetitivo, ou desnecessário, é bem grande. A gente tende a colocar defeitos no "novo amigo", primeiro porque não o conhecemos bem, naturalmente; segundo porque fomos colocados ao passar dos anos em "bolhas", e isso automaticamente nos faz dar mais valor aos defeitos do que às virtudes de pessoas fora dessas bolhas.


E, vá lá, tem muita gente produzindo coisa boa ainda na redes. Mas o fato é: a cada um ou dois "influenciadores" maneiros, a cada seis ou oito postagens de coisas legais, quanto LIXO FASCISTIZADO E PRECONCEITUOSO (ou apenas bobo, inútil e desnecessário) a gente não se depara?


Fagner outro dia falou que conhece muito mais idiotas e malandros do que a avó dele jamais poderia imaginar que existia. Bem, ele também conhece mais coisas legais que a vovózinha: locais, praias, bares, pessoas. Mas é fato que a algoritmização fez a coisa transbordar, e nesse derrame, sobrou bem mais lixo do que ouro. Dá para filtrar? Dá, mas as redes não são intuitivas para isso. Elas não são programadas para que a gente filtre de maneira efetiva, elas funcionam para colocar o que elas querem na nossa timeline. Portanto, filtrar dá muito trabalho.


Ora, já tenho minha base de jornalistas, comunicadores, produtores, influenciadores, formuladores, artistas, e claro, amigos e amigas, colegas, companheiros de luta, de copo, de arquibancada... Simplesmente não quero mais conhecer ninguém, saber de nenhuma opinião de gente nova, me deparar com nenhum fato ou tema que eu já não esteja familiarizado.


Mas isso também é passageiro. Posso mudar de ideia e partir em buscar de conhecer coisas e pessoas novas. E tudo bem, dá para fazer isso de outra forma, sem ser pelo algoritmo me indicando. Porque era assim que a gente fazia antes dessa merda, né?


Conclusão: desalgoritmizar é, sim, SAIR das redes sociais. Sobra para gente, em escolhas pessoais, tomar algumas decisões, já que a regulação das big techs sequer ameaça andar - e, bem, elas não vão acabar, ao menos não tão cedo.


Considero essa possibilidade. Mas aí entra um dilema: eu sou o jornalista independente que quero ser achado pelas pessoas. Hoje, minha posição profissional, meu trabalho, é ser o comunicador, o criador de conteúdo, que preciso vencer o algoritmo e encontrar meu público. Ao menos, por enquanto, é inviável sair das redes sociais.


Mas a ideia está posta e amadurecendo, e pode ser de forma abrupta ou gradual. Mas o fato é que a gente precisa vencer essa lógica do algoritmo, e se não for saindo das redes sociais, será como?


Cartas (pode ser e-mail) para a redação.

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